Estar só pode trazer dificuldades, mas pode trazer também outras possibilidades construtivas de viver e de se conhecer

O livro Honjok: The Art of Living Alone (‘Honjok: a arte de viver sozinho’), da psicoterapeuta estadunidense Francie Healey, é muito interessante, especialmente nestes tempos de isolamento forçado.

O Honjok ("tribo de um só", em versão minha) é um movimento nascido da contracultura sul-coreana: jovens que rejeitam os valores coletivistas abraçam o individualismo emergente e formam “famílias” de uma pessoa.

— O honjok é um convite ao desfrutar da solidão e à reflexão sobre quem realmente somos, para além das normas sociais e culturais estabelecidas — escreve Healey, que estudou 15 pessoas de diferentes idades que praticam o honjok.

O estudo concluiu que a solidão (Hon) realmente permite que os “solos” tenham relacionamentos mais frutíferos e positivos com outras pessoas:

— O honjok pode ser uma forma de entender que quando você se permite viver com a solidão, mesmo que seja desconfortável no início, você cultiva uma autoconsciência mais profunda. Por meio de atividades contemplativas e da curiosidade em relação ao seu mundo interior, você pode sentir uma verdadeira riqueza espiritual estando com você mesmo.

Os mestres espirituais de todas as eras sempre valorizaram a solidão como estratégia para o autoconhecimento e a elevação mental. Jesus mesmo, apesar de estar sempre rodeado de pessoas, não dispensava um momento de silêncio e solidão para se recompor.

Ao início do século XX, o poeta brasileiro Amadeu Amaral (1875-1929) fez um lindo poema sobre essa Solidão, de onde vieram estes belos excertos:

A SOLIDÃO é um bem; bem tanto mais perfeito, ≈ quanto não se alimenta de ilusão: ≈ é tangível, real, simples e sem defeito ≈ como a água, a luz, o ar e o pão

(...)

Só ela nos permite abrir a todo instante, ≈ na selva escura, em derredor de nós, ≈ a clareira feliz de um sonho apaziguante, ≈ onde possamos respirar a sós.

Só ela nos permite ascender qualquer hora ≈ aos altos cumes da contemplação ≈ e ver claro, ver bem, ver de cima e de fora ≈ os marnéis da maldade e da ilusão.

Só ela nos permite, ela apenas consente ≈ conservemos nossa alma tal qual é, ≈ distinta e individual, sobranceira e potente, ≈ com as próprias feições e a própria fé.

Só ela nos permite — e isto apenas bastava ≈ reconhecer e aperfeiçoar nosso Eu, ≈ arrancá-lo à torrente onde se dissipava ≈ e restituir-lhe os traços que perdeu.